Estado do Amapá – A Cabanagem em Macapá
De todos os movimentos populares do período da Regência no Brasil, a Cabanagem no Pará foi o que alcançou maior grau de radicalização, seja pelas propostas de algumas de suas lideranças, seja pelo fato dos rebeldes terem se mantido no poder durante algum tempo e realizado profundas modificações políticas na região. Embora a Cabanagem propriamente dita tenha iniciado em 1833, situações anteriores já lhe preparavam o terreno. O poder no Pará, ainda antes da proclamação da Independência estava nas mãos de juntas favoráveis a Portugal, que protegiam os comerciantes lusos da região. Após o 7 de setembro de 1822, a luta eclodiu no Pará, uma vez que as juntas não reconheceram a Independência. Os liberais radicais encabeçados pelo cônego Batista Campos, e apoiados principalmente por comerciantes brasileiros, conseguiram, em janeiro de 1823, reunir número suficiente de pessoas para jurar a Constituição. Assim, Macapá e Mazagão Velho ratificaram, em 15 de agosto de 1823, a emancipação política do Brasil do jogo português, tendo os macapaenses e mazaganenses expulsado os vereadores do antigo Senado da Câmara que apoiavam D. João VI (já em Portugal), escolhendo desde então novos membros do Poder Legislativo das duas vilas (Jorge Hurley – A Cabanagem no Pará). Mas os militares portugueses dissolveram a Câmara de Belém e perseguiram os liberais que se refugiaram no interior, onde passaram a conspirar, ganhando apoio das populações locais. As vilas de Cametá, Santarém, Macapá, Mazagão, Monte Alegre e Vigia transformaram-se em verdadeiros núcleos de conspiração. A adesão das massas populares às propostas de Batista Campos constituíram o começo de um processo que iria ter seu ponto culminante mais de dez anos depois. Os núcleos de rebeldes assim constituídos isolaram a junta portuguesa, o que facilitou a tarefa do almirante Greenfell, enviado pelo imperador para impor um governo fiel. No entanto, deposta a junta, os rebeldes do interior exigiram a formação de um governo popular, sob a chefia de Batista Campos. Greenfell desencadeou feroz repressão, fuzilando muitas pessoas – ficou famoso o episódio em que trancou mais de duzentos suspeitos no porão de um navio e jogou cal sobre eles, provocando a morte de todos por asfixia. Em vista dos novos rumos que o movimento cabano tomou, como o da instalação de um governo desatrelado ao imperador Pedro I, este começou a ser sufocado pelas tropas fiéis ao regente do Brasil. Em abril de 1824 formou-se uma Junta Provisória do governo de Santarém, que imediatamente envia uma circular ao governo da vila de Macapá, dando instruções e procedimentos que deveriam ser observados a partir de agora, para o combate aos cabanos nessa região. Em 15 de maio do mesmo ano, novas orientações e informações foram enviadas da Junta Governativa de Santarém, ao comando da Praça de Macapá. Em agosto, Batista Campos em Cametá consegue promover uma agitação, que foi logo sufocada pelo presidente da Província nomeado por D. Pedro I, José de Araújo Rosa. No dia 26 de dezembro, vários regimentos se insurgiram no momento, que ficou conhecido por Dezembrada, mas foram logo dominados. Batista Campos e outros implicados foram presos, enviados ao Rio, julgados, mas absolvidos. O presidente da Província foi logo substituído e Batista Campos voltou ao Pará, passando a ter influência decisiva nos governos que sucederam a Rosa. A agitação liderada pior Batista Campos atrai a população pobre da capital e do interior, bem como outros líderes, cujas posições se radicalizavam, como Felix Antonio Clemente Malcher, os irmãos Vinagre e Eduardo Nogueira Angelim. Princípios de 1833. Batista Campos impediu a posse do novo presidente da Província, José Mariani, e em dezembro do mesmo ano a Regência nomeou Bernardo Lobo de Souza. É neste governo que se inicia a revolta propriamente dita dos cabanos. Partindo para uma política energética de repressão, Lobo de Souza prende muitos liberais (incluindo Malcher) e incorpora outros à força, ao exercício (como aconteceu com Angelim). Com base nas populações do interior, os irmãos Francisco Pedro e Antonio Vinagre prepararam a tomada de Belém, na noite de 6 para 7 de janeiro de 1835. O presidente da Província, Lobo de Souza, é executado, e Malcher, solto da prisão, assume o governo. Negociando com a Regência, Malcher provoca descontentamento com os irmãos Francisco e Pedro Vinagre, que exerciam o comando das Armas. Vinagre o depõe, mas comete o mesmo erro, negociando com o governo central, o que propiciou o desembarque e a posse do novo presidente nomeado: Manoel Jorge Rodrigues, que chega apoiado por uma esquadra composta de 600 homens, comandados pelo almirante inglês Taylor. Em Macapá Ao assumir o governo, Jorge Rodrigues trata logo de enviar reforços às cidades e vilas sob jurisdição do Pará. Em Macapá, durante a sessão da Câmara Municipal de 19 de abril, fica resolvido que uma subscrição pública fornecerá o dinheiro necessário à administração da vila, que se encontra sem dinheiro devido a Cabanagem. Como urgia preparar a vila para possíveis surpresas, no dia 23 de abriu formou-se uma comissão de cinco membros, a qual apresentou à Câmara de Macapá o plano de defesa da vila e do município contra os Cabanos. (Barata, Manuel – A Formação Histórica do Pará). Obrigados a recuar para o interior, Antonio Vinagre e Eduardo Angelim iniciaram a fase mais radical do movimento. Apoiados pelas populações locais, desencadearam uma estratégia de guerrilhas, que vai estrangulando o governo provincial. Em 14 de agosto, invadem Belém e após nove dias de sangrentos combates, retomam a capital. É instalado um governo popular e revolucionário, encabeçado por Angelim. Este governo, que contava com imenso apoio popular, coloca em prática medidas inspiradas pelo socialismo utópico, como a da expropriação e centralização de todo o comércio, incluindo o exterior. Além disso, proclamou uma República independente, separando o Pará do resto do país. A repercussão de Angelim e Vinagre começa a encontrar ressonâncias negativas entre os produtores e população ribeirinha. Em 27 de agosto de 1835, em Macapá reúnem-se autoridades civis, militares e a população em geral, deliberando resistir à tal empreita de Angelim. Em setembro de 1835, o general Francisco de Siqueira Monterozzo Mello da Silveira Vasconcellos, comandante da Praça de Macapá, envia uma circular às autoridades e fazendeiros macapaenses, dando instruções sobre o combate aos Cabanos que já pensavam em tomar Macapá. Tendo informações seguras de que na Ilha Vieirinha, três marés distantes da vila de Macapá, havia um ajuntamento crescente de cabanos, o major Monterozzo enviou em 17 de novembro uma expedição composta de 89 guardas, comandados pelo tenente de Guardas Nacionais de Macapá Manuel da Silva Golão e o alferes-ajudante da Praça Francisco Pereira de Brito (Hurley, Jorge – Traços Cabanos). Além de Vieirinha, outro grupo se aloja em 20 de novembro, em Ilha de Santana, e mais outro no Furo do Beija-Flor, frente à então vila de Mazagão. Nesse mesmo dia trava-se um violento combate, saindo vitoriosos os mazaganenses ao raiar do dia, sem que pudessem ter evitado a invasão de suas propriedades pelos cabanos. (Hurley, Jorge, Op. Cit.). Uma correspondência do major Monterozzo em 5 de setembro de 1835 relata o episódio ocorrido em Ilha Vieirinha, perto de Macapá. Uma oferta de várias embarcações de vários comerciantes famosos de Macapá, para o combate aos cabanos, reforça as tropas de Monterozzo. Em 2 de janeiro de 1836, chegam a Macapá 120 cametaenses para a luta contra os cabanos, sob o comando do capitão Joaquim Raimundo Furtado de Mendonça, por ordem do padre Prudêncio, comandante militar e chefe civil de Cametá. Em 12 de fevereiro, Monterozzo comunica a presença em Macapá, de norte-americanos tentando negociar a troca de produtos naturais da região por armamentos, que o barco americano trazia. A carga bélica foi transferida do navio para a Fortaleza de São José de Macapá. Em 28 de fevereiro sai de Macapá uma expedição militar chefiada por Raimundo Joaquim Pantoja (Pantojão) para atacar os cabanos que estavam em Breves, conforme noticia Hurley. Com o auxílio do alferes Francisco Pereira de Brito e soldados da Praça de Macapá, Pantojão consegue vence-los em Curuçá e Caju-Una, com mais armamentos. Pantoja parte para Breves em março de 1836. Em 17 de março chegam a Macapá as autoridades de Santarém que acabava de cair em mãos dos cabanos, entre eles o juiz de Direito da comarca de Tapajós, Joaquim Francisco de Souza. Em 29 de maio o alferes Brito consegue vencer os cabanos no Bailique. Em Belém, o movimento estava nos seus últimos dias. Em abril, poderosa força militar comandada pelo brigadeiro Francisco José de Souza Soares de Andréia ataca Belém, ocupando-a em 13 de maio. Os cabanos retiraram-se novamente para o interior, resistindo até 1840. Empossado no governo do Pará, Soares de Andréia começa a campanha pró-retomada. Do major Monterozzo, Andréia recebeu um relatório datado de 24 de maio, sobre a situação dos conflitos em Macapá. Em meio à euforia da Cabanagem, os franceses por sua vez não perderem tempo. Em 29 de agosto de 1836 o governador da Guiana Francesa, Laurens de Choise, comunica ao governador do Pará que, nos termos do Tratado de Amiens (cuja cláusula estipulava que os limites da França passariam a ser contados até o rio Araguari) resolvera ocupar a região do Amapá até o rio Araguari. Mas isso não passou do papel, pois na prática a região continuava a mesma, com a presença de pequenos conflitos isolados. Até o final desse ano, a corporação militar da vila de São José de Macapá, durante a luta da Cabanagem, estava constituída de seis capitães, seis tenentes, seis alferes, um sargento-ajudante, um sargento-quartel-mestre, um corneteiro-mor, 51 sargentos, 50 cabos e 315 soldados. Apesar das forças cabanas terem sido dizimadas em Belém e Vigia a partir de abril de 1836 por força do brigadeiro Soares de Andréia, alguns grupos organizados ainda insistiam em reagir contra o governo da Província. O próprio Soares de Andréia, na presidência da Província, comunicava a Lisboa, numa correspondência datada de 6 de outubro de 1837, que 200 cabanos oriundos da Ilha de Marajó com mais de 20 embarcações, nas ilhas em frente a Macapá, dispostos a fazer aliança com os franceses, o que representava um perigo para se reacenderem os conflitos de limite com aquele país. Em 1838, em ofício de 20 de janeiro, Soares de Andréia expõe, dessa vez ao ministro da Justiça, o modo como está fortificada a Província e a Praça de Macapá, cuja situação era precaríssima, precisando de muitos consertos, e seu comandante nada podendo fazer, pois até mesmo seus soldos militares estavam em risco de serem cortados, pela falta de verbas. Um dos episódios dignos de nota durante o período da Cabanagem no Amapá, foi o que envolveu o comandante Francisco Monterozzo (o nome todo dele era Francisco de Siqueira Monterozzo Mello de Silveira Vasconcellos). Após tantas expedições e planos de defesa organizados por este comandante militar natural de Cametá, sua bravura também encontrou opositores fortes e à altura. Alguns de seus oficiais subordinados, baseados em fatos meramente circunstanciais, passaram a acusa-lo de que estava favorecendo aos cabanos. Os fatos culminaram com uma sedição ocorrida em julho de 1839. Na noite de 9 para 10, alguns oficiais se rebelaram e depuseram o seu comandante, estipulando aí um comando alternativo. Mas tal comando só durou alguns dias. Por intervenção direta do governador Bernardo de Souza Franco, este fez partir imediatamente reforços, normalizando a situação.